POVO PÁSSARO
Pinturas
Tinta acrílica sobre papel
Uma série de pinturas que combinam figuras reconhecíveis e elementos espectrais, numa realidade que vai se apresentando a mim ao longo do processo de pintura.
BIRD PEOPLE
Paintings
Acrylic on paper
A series of paintings that combine recognizable figures and spectral elements, in a reality that presents itself to me throughout the process of painting.
Vôos altos, dança horizontalizada
Texto por Pedro Varela
Ninhos representam proteção, um lugar seguro e aconchegante. Por outro lado pássaros representam a liberdade, o voo, a busca pelo diferente. É numa relação constante entre símbolos aparentemente opostos que surge a nova série de pinturas de Mariana Leal. A artista não busca anular uma postura ou outra, mas sim um arranjo constante e variável entre estas diferentes imagens: a liberdade do voo e a segurança do ninho.
A cor vibrante dialoga com o fundo negro, as pinceladas ásperas e carregadas quase se opõem às linhas seguras do desenho, o corpo feminino (ninho) se espelha nos pássaros e chega a ganhar plumas na forma de pinceladas que parecem dançar em alguns momentos. Este jogo permite tanto a oposição quanto a síntese entre estes (aparentes) opostos.
Esta série de pinturas de Mariana representa também um novo momento em sua carreira. Apesar de sua formação artística ser em pintura o desenho sempre norteou sua produção, mesmo quando era misturado com outros meios, como fotografia. A escolha pela pintura é tanto voo como busca pelo ninho. É segurança e risco ao mesmo tempo, pois aparentemente (mas só aparentemente), a pintura oferece uma sensação de segurança devido ao seu lastro histórico. Mas esta história pode ser percebida de maneira dúbia, tanto como peso quanto como base para novas construções.
Ainda é preciso lembrar que a história da pintura no Brasil é quase inteira branca e um olhar “enegrecido” para este meio ainda é algo novo por aqui. As pinturas de Mariana são tanto Coruja quanto Galinha da D’Angola (1). O ocidente sempre enxergou na coruja um símbolo de sabedoria. A coruja representa a deusa Minerva, ela observa contemplativa sua presa, sempre silenciosa do alto da copa das arvores. Já a galinha D’Angola representa o pesamento de uma filosofia afroperspectivista, segundo o filósofo Renato Nogueira. Ela não voa. Ela cisca no terreiro, se mantém na terra “atada à imanência”, compenetrada em sua dança ancestral. Ela não necessita esperar o crepúsculo para buscar sua presa, como faz a coruja, mas cria suas oportunidades a hora que for, entendendo o mundo em sua horizontalidade.
O trabalho de Mariana congrega estas duas perspectivas pois aceita o jogo da pintura ocidental e sua filosofia, mas traz em suas pinceladas uma perspectiva negra de um “ciscar rizomático”. Os pássaros além de serem personagens conceituais que representam diferentes formas de pensar, são também imagens que representam alguns Orixás afro-brasileiros. O pavão pode ser Logun-Edé, Oxalufã é representado pela pomba branca. Mas talvez Oxóssi represente melhor as ambiguidades do trabalho de Mariana. Este Orixá está ligado tanto o trabalho diário, à comida que chega todo dia para mesa através da caça, quanto as artes, à pintura, o canto e a dança. É o trabalho árduo, arco e flecha, mas também é a vontade de contemplar, de admirar. Oxóssi está presente no canto dos pássaros.
1 – DENEGRINDO A FILOSOFIA: O PENSAMENTO COMO COREOGRAFIA DE CONCEITOS AFROPERSPECTIVISTAS – Renato Noguera